quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Esperando o inesperado

O capítuo 16 é o último. Há um capítulo 17, mas é resumo. Huron trata do modernismo como problema para o seu paradigma da expectativa musical. Como se sabe, em suas vertentes pessimista ou otimista, o modernismo insiste em romper deliberadamente com as práticas ortodoxas e ainda tem a esperança de que a platéia pague o ingresso. Huron concetra a análise em três compositores, wagner, Xonberg e Stravinsky. Desnecessário dizer que ele estende as idéias modernistas a wagner, por conta do seu compromisso com a criação da "música do futuro", sejá lá o que for isso. Um parágrafo resume de forma perfeita suas principais teses:

"No caso de wagner, essa estética contrária é mais evidente na simples cadência. Especialmente em suas últimas obras, wagner fez tudo o que estava em seu poder para evitar, disfarçar, elidir, suspender ou atrasar o fechamento cadencial. Alguém poderia dizer que wagner escreveu música 'contra-cadencial'. No caso de Schoenberg, essa estética contrária é mais evidente em sua confessa recusa da tonalidade. Como veremos em breve, tonalidade tem um papel significante na organização da música de Schoenberg, mas seu papel é de 'psicologia reversa', na qual ele explicitamente se dispõe a desmontar qualquer implicação tonal latente. Eu sugeriria que sua música não é atonal, mas contra-tonal em estrutura. Finalmente, no caso de Stravinsky, a estática contrária é mais evidente em seu periódico desmonte do tempo. Assim como a visão de Schoenberg sobre tonalidade, Stravinsky não era simplesmente agnóstico em matéria de tempo. Ao contrário, trechos de sua música exibem uma organização sistemática cujo propósito é ativamente subverter a percepção do ritmo. Ainda que sua música permaneça altamente rítmica, algumas das mais distintivas passagens são metodicamente 'contra-métricas' em estrutura." (pág 333).

Não resta ao Huron, por mais que a tarefa o constranja, levar sua análise até o fim, mostrando as consequências percepcionais desses vários dispositivos modernistas, de acordo com o seu paradigma de expectativas musicais.

Registra, por exemplo, as descrições da música de wagner como "anseio sem fim", "ânsia sem paz", obtidas de ouvintes informados. Conclui, sem querer se comprometer, afirmando que é uma música que tenta e titila, nega e frustra, engana e interrompe, mas ... termina com um clássico: "mas nenhum ouvinte ocidental ilustrado pode negar a intensidade da experiência wagneriana" (pág 339).

Não, ele não define o que seria "intensidade da experiência", nem sua valência...

No caso de Schoenberg, ele não é tão mineiro. Afirma claramente que, ao frustrar as expectativas tonais de quem ouve, ele, na verdade, trai e desaponta o pobre do ouvinte. Também no caso de Stravinsky, ele é mais direto. Certas passagens da Sagração são, estatisticamente, 40 vezes mais difíceis de prever do que uma sequência aleatória gerada por uma distribuição métrica. Em outras palavras, uma espécie de ritmo "médio". Ele reconhece que tais passagens são dominadas por sentimentos de "confusão e caos". (pág 346).

O engraçado desse último capítulo é que todo o modelo experimental do Huron caminha para a "condenação" estética do modernismo ou, pelo menos, à sua classificação como um evento anedótico na história da Música, mas ele não se rende. A tal ponto que chega a escrever isso no fim:

"Talvez essa estética não-conformista emerja como um subproduto não previsto da busca da novidade artística. O espírito da inventividade artística poderia ter inicialmente encorajado uma certa insensitividade às experiências psicológicas evocadas por vários dispositivos. No mundo real, transgredir expectativas leva um organismo a sentar e observar. As experiências são memoráveis, mesmo que não sejam inicialmente prazerosas. Tendo inadvertidamente gerado essas experiências, essas mesmas experiências podem então se tornar o alvo de explorações posteriores e embelezamento. Mas essa sugestão é inteiramente especulativa" (pág 353).

Ou seja, é ruim, mas se você ouvir muito e com boa vontade, ficará bom de ouvir.

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