domingo, 6 de fevereiro de 2011

Dezesseis e dezessete

Bom, chegou a vez do DNA. No capítulo 16, Hofstadter quer ilustrar suas reflexões sobre auto-referêcia e auto-replicação usando o livro de biologia da graduação. Nada aplicado, nada prático, nada que possa ser testado em um experimento popperiano. Como diria o Millor, livre pensar é só pensar.

Após 16 capítulos, o Hofstadter finalmente anuncia: "Chegamos a um ponto onde podemos desenvolver uma das principais teses desse livro: que cada aspecto do pensamento pode ser visto como uma descrição em nível superior de um sistema que, em seu nível inferior, é governado por simples, mesmo sendo formais, regras. O sistema, naturalmente, é um cérebro." (pág 559).

Imagina-se, então, que vai demonstrar algo. Nada, ledo engano. Primeiro, apresenta como evidência a tese (vejam bem, a tese) de Church-Turing, "todo processo mental definido em seu produto pode ser reproduzido por uma máquina (um programa)". Depois, isso lhe permite expor uma outra tese (apenas uma tese...): "Com a evolução da inteligência das máquinas, seus mecanismos subjacentes vão EVENTUALMENTE CONVERGIR (destaque meu) para os mercanismos subjacentes à inteligência humana".

Deixando de lado o "eventualmente" e as refutações capengas das posições do Lucas, Hofstadter é obrigado a reconhecer, contudo, que um outro teorema, o de Tarski, estabelece o paradoxo de Epimênides dentro de uma programa do tipo TNT. Em termos práticos, um programa de computador não tem como embutir um procedimento de decisão relativo à verdade de um teorema. Ou seja, não é apenas a linguagem corrente que está vulnerável à auto-referência, também a linguagem formal está. S

Aí o Hofstadter improvisa. Reconhece que é preciso separar sintaxe de semântica, que o sigificado dos termos depende de uma "estrutura cognitiva", que não é apenas soft, nem apenas hardware, e tira o último coelho da cartola (pág 584): o paradoxo de Epimênides deve ter um substrato neural!!! A consequência é espantosa:

"A resolução envolve abandonar a noção de que o cérebro possa prover uma representação acurada da noção de verdade. A novidade dessa resolução jaz sobre a sugestão de que a total modelagem da verdade é impossível por razões físicas: tal modelagem requer a ocorrência de eventos fisicamente incompatíveis no cérebro" (pág 585). É onde levou sua idéia de que o pensamento pode ser reduzido a um processo mecanicista...

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Hofstadter vs Lucas

Este é um capítulo interessante. Depois de muito trololó, Hofstadter avança até a fronteira definitiva: a prova de Gödel alcança todos os sistemas dedutivos-formais que buscam replicar os "códigos naturais", seja o pensamento, seja o DNA. Em termos mais simples, todas as modalidades de formalização dos processos mentais e naturais - a lógica, a matemática, os programas de computador, a AI, etc - são vulneráveis à incompletude, à incapacidade definitiva de provar todos os teoremas implicados em seus postulados.

Neste ponto, ele invoca o trabalho de um filósofo inglês, J. R. Lucas, que dá o passo seguinte: a prova de Gödel é a prova de que o pensamento, a mente, a vida não podem ser reduzidos a um mecanismo. Eles possuem um quê, um sabe-se-lá-o-quê, que é irredutível a uma descrição ou emulação mecanicista. Esse quê é que torna um computador incapaz de pintar um quadro como Rembrandt ou compor uma música.

Hofstadter é incapaz de oferecer um refutação da contestação de Lucas, para além do "não concordo", do "não vejo assim" e de um argumento lógico de evidente fraqueza: Lucas está errado por que a mente não pode 'godelizar" indefinidamente os sistemas formais. Ou seja, invoca um argumento de facto, quando ele mesmo não pode oferecer um sistema formal que, de facto, emule a mente humana. Ou seja, transfere o argumento para o plano do experimento mental, mas exige a lógica dos argumentos de facto.

For dummies

Mais capítulos (11 e 12)  for dummies: fisiologia cerebral, tal como era em meados dos anos 1970, localização dos processos cerebrais, natureza dos símbolos mentais, inteligência animal, isomorfismo, mapeamento de uma mente em outra, natureza da identidade (Hofstadter é adepto da tese "humeana", a identidade é apenas um símbolo). Ao final (pág 388), ao menuma coisa interessante: ele começa a analisar a tese de J.R. Lucas, que nega qualquer possibilidade de existência de uma máquina "inteligente", usando a prova de Gödel. Esse tema tem alguma relevância, pois cria uma diferença entre composição virtual e composição humana, uma diferença mais visível hoje, quando a composição virtual é uma realidade.
 
Os capítulos 13 e 14 também são "de divulgação". Nos dois casos, trata da transformação dos paradoxos goedelianos em linguagem de programação (dos anos 1970...) e nas suas implicações para as teorias da computabilidade. No fundo, intermináveis variações sobre o paradoxo de Epimênides, aplicado às linguagens formais da matemática e da computação.