terça-feira, 29 de março de 2011

Hofstadter. Perguntas e respostas

1. Um computador escreverá musica bonita? Hofstadter acha que sim, mas não brevemente. Não apresenta sua escala de tempo, claro. Sugere que para escrever música, o computador teria de acumular experiências existenciais. Bom, até hoje o fato não aconteceu.

2. Emoções serão programadas em um computador? Hof diz que não e acha a idéia ridícula. Os computadores vão "adquirir" emoções, como os humanos.

3. Um computador pensante fará somas mais rápido? Talvez não, diz Hof, pois terá, como nós, levar em conta todo o contexto que cerca os termos numéricos.

4. Haverá programas de xadrez que pode derrotar qualquer um? Não. A única chance disso acontecer seria com programas capazes de fazer qualquer coisa, inclusive jogar xadrez

5. Os computadores terão memórias localizadas fisicamente? Não, sua memória terá de ser como a nossa, independente de meio físico.

6. Um programa de AI poderá ser calibrado para imitar alguém? Não. Ele terá de ter sua própria personalidade e não poderá, como nós, mudá-la a seu bel prazer.

Hof não examina a questão da "dupla personalidade", fenômeno conhecido entre humanos.

7. Haverá um "coração" no programa de AI ou será um mero acúmulo de "linhas de computação"? Não tem uma resposta categórica. Depende.

8. Os programas se tornarão "superinteligentes"? Não sabe.

9. Haverá diferenças entre pessoas e sistemas inteligentese artificiais? Hof acredita que sim e que serão maiores que as diferenças entre pessoas.

10. Vamos entender o que são "livre arbítrio, inteligência, consciência e Eu" quando formos capazes de projetar uma inteligência artificial? Depende, diz ele, do que você considerar "entender".

Hofstadter termina, assim, apenas fazendo sugestões. O pensamento seria baseado em recursividade contínua, que chama de "circuito estranho" (strange loop) ou "hierarquia imbricada" (tangled hierarchies). Sob todos os níveis da hieraraquia haveria um nível físico inviolável (hardware, neurônio, DNA), mas o resto seria uma jogo que se modifica a si mesmo.

Viaja, então, por sugestões paradoxais, como a eventual incapacidade da mente compreender a si mesma, telas de Magritte, mais Escher, etc e etc.

Na pág 714, a revelação pessoal:

"Alguém já me disse uma vez: esse negócio de auto-referência etc é interessante e agradável, mas você acha realmente que há alguma coisa séria nisso?".

Ele acredita que sim e sugere a existência de "vórtexes" godelianos, escherianos e bachianos. Núcleos onde todas as autoreferências se cruzam.

Dezoito e dezenove

Neste momento, esperava-se uma demonstração, mas, primeiro, apresenta como evidência a tese (vejam bem, a tese) de Church-Turing, "todo processo mental definido em seu produto pode ser reproduzido por uma máquina (um programa)". Depois, isso lhe permite expor uma outra tese (apenas uma tese...):


"Com a evolução da inteligência das máquinas, seus mecanismos subjacentes vão EVENTUALMENTE CONVERGIR (destaque meu) para os mecanismos subjacentes à inteligência humana".

Deixando de lado o "eventualmente" e as refutações capengas do Lucas, Hofstadter é obrigado a reconhecer, contudo, que outro teorema, o de Tarski, monta o paradoxo de Epimênides dentro de um programa do tipo TNT. Em termos práticos, um programa de computador não tem como embutir um procedimento de decisão relativo à verdade de um teorema. Ou seja, não é apenas a linguagem corrente que está vulnerável à auto-referência, também a linguagem formal está.

Aí o Hofstadter improvisa. Reconhece que é preciso separar sintaxe de semântica, que o significado dos termos depende de uma "estrutura cognitiva", que não é apenas soft, nem apenas hardware, e tira o último coelho da cartola (pág 584): o paradoxo de Epimênides deve ter um substrato neural!!! A consequência é espantosa:

"O resolução envolve abandonar a noção de que o cérebro possa prover uma representação acurada da noção de verdade. A novidade dessa resolução jaz sobre a sugestão de que a total modelagem da verdade é impossível por razões físicas: tal modelagem requer a ocorrência de eventos fisicamente incompatíveis no cérebro" (pág 585).

É onde levou sua idéia de que o pensamento pode ser reduzido a um processo mecanicista...

O capítulo 18 é recapitulação e apologia. Apresenta mais uma versão do teste de Turing, celebra o "quanto já foi conquistado" pela AI, registra as objeções conhecidas, descarta-as todas sem fundamentar as refutações e faz promessas para o futuro. No capítulo final, ele recebe uma objeção final dos próprios conhecidos.

No capítulo 19, mais promessas e perspectivas, seguida de uma longa discussão dos chamados problemas de Bongard. Páginas e páginas para discutir se um quadrado com três bolinhas é diferente de um quadrado com duas bolinhas e um traço. Quando cansa, passa... às enzimas, uma "fonte de idéias para a AI".

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Dezesseis e dezessete

Bom, chegou a vez do DNA. No capítulo 16, Hofstadter quer ilustrar suas reflexões sobre auto-referêcia e auto-replicação usando o livro de biologia da graduação. Nada aplicado, nada prático, nada que possa ser testado em um experimento popperiano. Como diria o Millor, livre pensar é só pensar.

Após 16 capítulos, o Hofstadter finalmente anuncia: "Chegamos a um ponto onde podemos desenvolver uma das principais teses desse livro: que cada aspecto do pensamento pode ser visto como uma descrição em nível superior de um sistema que, em seu nível inferior, é governado por simples, mesmo sendo formais, regras. O sistema, naturalmente, é um cérebro." (pág 559).

Imagina-se, então, que vai demonstrar algo. Nada, ledo engano. Primeiro, apresenta como evidência a tese (vejam bem, a tese) de Church-Turing, "todo processo mental definido em seu produto pode ser reproduzido por uma máquina (um programa)". Depois, isso lhe permite expor uma outra tese (apenas uma tese...): "Com a evolução da inteligência das máquinas, seus mecanismos subjacentes vão EVENTUALMENTE CONVERGIR (destaque meu) para os mercanismos subjacentes à inteligência humana".

Deixando de lado o "eventualmente" e as refutações capengas das posições do Lucas, Hofstadter é obrigado a reconhecer, contudo, que um outro teorema, o de Tarski, estabelece o paradoxo de Epimênides dentro de uma programa do tipo TNT. Em termos práticos, um programa de computador não tem como embutir um procedimento de decisão relativo à verdade de um teorema. Ou seja, não é apenas a linguagem corrente que está vulnerável à auto-referência, também a linguagem formal está. S

Aí o Hofstadter improvisa. Reconhece que é preciso separar sintaxe de semântica, que o sigificado dos termos depende de uma "estrutura cognitiva", que não é apenas soft, nem apenas hardware, e tira o último coelho da cartola (pág 584): o paradoxo de Epimênides deve ter um substrato neural!!! A consequência é espantosa:

"A resolução envolve abandonar a noção de que o cérebro possa prover uma representação acurada da noção de verdade. A novidade dessa resolução jaz sobre a sugestão de que a total modelagem da verdade é impossível por razões físicas: tal modelagem requer a ocorrência de eventos fisicamente incompatíveis no cérebro" (pág 585). É onde levou sua idéia de que o pensamento pode ser reduzido a um processo mecanicista...

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Hofstadter vs Lucas

Este é um capítulo interessante. Depois de muito trololó, Hofstadter avança até a fronteira definitiva: a prova de Gödel alcança todos os sistemas dedutivos-formais que buscam replicar os "códigos naturais", seja o pensamento, seja o DNA. Em termos mais simples, todas as modalidades de formalização dos processos mentais e naturais - a lógica, a matemática, os programas de computador, a AI, etc - são vulneráveis à incompletude, à incapacidade definitiva de provar todos os teoremas implicados em seus postulados.

Neste ponto, ele invoca o trabalho de um filósofo inglês, J. R. Lucas, que dá o passo seguinte: a prova de Gödel é a prova de que o pensamento, a mente, a vida não podem ser reduzidos a um mecanismo. Eles possuem um quê, um sabe-se-lá-o-quê, que é irredutível a uma descrição ou emulação mecanicista. Esse quê é que torna um computador incapaz de pintar um quadro como Rembrandt ou compor uma música.

Hofstadter é incapaz de oferecer um refutação da contestação de Lucas, para além do "não concordo", do "não vejo assim" e de um argumento lógico de evidente fraqueza: Lucas está errado por que a mente não pode 'godelizar" indefinidamente os sistemas formais. Ou seja, invoca um argumento de facto, quando ele mesmo não pode oferecer um sistema formal que, de facto, emule a mente humana. Ou seja, transfere o argumento para o plano do experimento mental, mas exige a lógica dos argumentos de facto.

For dummies

Mais capítulos (11 e 12)  for dummies: fisiologia cerebral, tal como era em meados dos anos 1970, localização dos processos cerebrais, natureza dos símbolos mentais, inteligência animal, isomorfismo, mapeamento de uma mente em outra, natureza da identidade (Hofstadter é adepto da tese "humeana", a identidade é apenas um símbolo). Ao final (pág 388), ao menuma coisa interessante: ele começa a analisar a tese de J.R. Lucas, que nega qualquer possibilidade de existência de uma máquina "inteligente", usando a prova de Gödel. Esse tema tem alguma relevância, pois cria uma diferença entre composição virtual e composição humana, uma diferença mais visível hoje, quando a composição virtual é uma realidade.
 
Os capítulos 13 e 14 também são "de divulgação". Nos dois casos, trata da transformação dos paradoxos goedelianos em linguagem de programação (dos anos 1970...) e nas suas implicações para as teorias da computabilidade. No fundo, intermináveis variações sobre o paradoxo de Epimênides, aplicado às linguagens formais da matemática e da computação.

domingo, 30 de janeiro de 2011

O pensamento como fuga

Como de hábito, o capítulo 10, é um capítulo de fundamentação e trata de programas de computador. Como o livro foi editado em 1979, pode-se fazer idéia do seu grau de elaboração. Ainda assim, alguns elementos continuam sendo relevantes e interessantes:

1. Mesmo naqueles dias parecia claro que os procedimentos da inteligência não são o mero resultado da soma de operações elementares, mas da integração de vários operações diferentes. Oferece o exemplo dos grandes jogadores de xadrez, que conseguem ver à frente as melhores respostas estratégicas de forma automática. Esta pode ser a mesma habilidade de um grande compositor. Ele intui de forma automática as implicações do desenho de uma melodia. Uma habilidade descrita, no caso de Bach, por seu filho C.P.E.

2. Outro ponto importante de sua análise das implicações de uma inteligência artificial é a distinção entre sistemas "quase decomponíveis" (um time de futebol, um átomo, etc) que só existem em conjunto, mas podem ser discernidos de sistemas quase indecomponíveis, como quarks em uma partícula ou... notas em um acorde. A distinção entre esses sistemas é que permitiria "pensar em pedaços", uma vez que separa níveis de organização diferentes, com suas próprias regras. Essa separação é aquele que haveria entre cérebro e mente ou entre a música que ouvimos e a estrutura física que a produz. Nesse ponto, as analogias do Hofstadter começam a ficar bachianamente interessantes.

O conceito usado para produzir a idéia de um sistema que é resultado da integração total e ao mesmo é cada uma de suas partes é justamente o de Fuga. Que tem uma vantagem ilustrativa adicional: não basta, para um fuga, seguir as regras, ela tem de produzir um efeito não visível nos elementos que a compõe: a beleza sonora. Ele começa a sugerir que o pensamento é a "fuga" do cérebro.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O koan e a música de Bach

Novamente, são mais alguns capítulos - 7 e 8 - que poderiam figurar em livros de divulgação. O primeiro é um resumo da simbologia do cálculo de proposições (lógica formal) e o seguinte uma apresentação mais detalhada dos procedimentos da prova de Goedel, o que ele chama de "teoria tipográfica dos números". Visto do ano de 2011, trivial simples. No capítulo 9, há, ao menos, uma idéia interessantíssima: a conexão entre a idéia de incompletude de aritmética (e da lógica) e a técnica do koan pelo Budismo Zen.

Se pensarmos no exprimível de forma coerente, definido de forma lógica, como um conjunto de teoremas, o que Gödel mostrou é que existe algo fora desse conjunto sobre o qual o exprimível não tem como se manifestar. Assim, se despirmos os koan do budismos Zen de seu substrato religioso, teremos um técnica linguística de apontar para o que está além da linguagem. O koan e a prova de Göedel seriam, digamos, equipotentes.

Se o exercício deliberado do paradoxo (o budismo Zen) e se o exercício deliberado do rigor (a lógica ocidental) nos deixam sobre a fronteira do sentido que não pode ser descrito, onde nos deixa a linguagem que lhes é aparentada, a música de Bach?