quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Retórica e simbolismo

De longe, é o capítulo mais interessante dos "Horizontes" do Geck, trazendo definições efetivas sobre o tema e materiais recentes da scolarship alemã sobre Bach. Vamos por pontos:

1. Que a música de Bach esteja cheia de figuras de retórica, usadas para compor uma simbologia bem definida (ascensão, queda, anjos, canção de ninar, etc), é coisa conhecida por todos. Também é a marca de outros compositores barrocos. Entretanto, na escrita teórica do período barroco sobre música, não existe uma teoria única e definida sobre a relação entre música, retórica e símbolo.

Na opinião de Geck, a retórica musical, em Bach, não supõe uma visão restrita sobre a relação entre retórica e música. Ou seja, essa conexão que parece, a nossos olhos, tão relevante, provavelmente era um elemento menor no sua lógica de composição: "Nós admiramos esta música, afinal, não porque é arte aplicada, mas porque é arte original".

Quando comparadas com figuras retórico-musicais empregadas por outros compositores, Geck insiste que os procedimentos de Bach são muito mais sutis e menos diretos. Tome-se o o arco íris na Paixão segundo João: "Mas isto é precisamente Bach: ele não pretende fazer história com o mais belo arco-íris ajustado a uma ária, mas ordená-la de tal modo que tanto seu impacto sensorial como sua profundidade espiritual permaneçam subordinados a uma idéia musical e ofereçam a mensagem de um texto exigente de forma integral. Sua música nunca meramente imita ou descreve: está continuamente ultrapassando a si mesma na direção de um significado". (pág 664).

Depois de tocar nas teorias sobre a vaguidade, o Geck avança com comentários sobre um aspecto que, para mim, pessoalmente, são a coisa mais fascinante na obra de Bach: suas estratégias significantes. Ele toma como paradigma justamente o fato de que Bach não usa o simbólico, mas o alegórico, a legítima alegoria barroca. Citando Benjamin:

"Essa circunstância nos conduz às antinomias do alegórico, cuja discussão é incontornável, se quisermos de fato invocar a imagem do drama barroco. Cada pessoa, cada coisa, cada relação pode significar qualquer outra. Essa possibilidade profere, contra o mundo profano, um veredito devastador, mas justo: ele é visto como um mundo no qual o pormenor não tem importância. Mas ao mesmo tempo se torna claro, para os que estão familiarizados com a exegese alegórica da escrita, que exatamente por apontarem para outros objetos, esses suportes da significação são investidos de um poder que os faz parecer incomensuráveis com as coisas profanas, que os eleva a um plano mais alto e que mesmo os santifica." (págs 196-197).

Geck fecha o capítulo: "Tentando encontrar comunalidade entre todas as idéias dessa seção, retornamos ao conceito, repetidamente articulado nesse livro, de que Bach compunha de acordo com "figuras". Isto não significa figuras retóricas musicais (ao menos, não exclusivamente), mas um gênero de invenção temática: figuras que possuem qualidades inerentes, qualidade estética própria, mas também apontam para além de seu som. Uma figura tem dois aspectos: sentido e som."

Essa é a precisa definição de Benjamin para a alegoria barroca. Impor sentido a um objeto iconográfico, linguístico ou sonoro. Estabelecendo conexões que são deliberadamente convencionais, forçadas, mas cujo sentido vai além da materialidade.

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