domingo, 2 de janeiro de 2011

Música como história intelectual

É um resumo de leitura de Claude Palisca. Música e Idéias nos séculos XVI e XVII. University of Illinois, 2006.

Capítulo 1 - Mudança musical e história intelectual: para Palisca o debate que bem conhecemos sobre a natureza da música (é apenas sensação ou reflete uma ordem maior?) do Ocidente começa com a redescoberta dos textos da Antiguidade no Renascimento, de Boécio a Aristoxeno. Nesse sentido, há um duplo problema. Primeiro, o debate é importado pelas elites intelectuais, ele não emerge da prática corrente da música, que segue "popular" ou religiosa em larga medida. Segundo, não se fazia a menor idéia de como era a música da Antiguidade. O debate transcorria, em boa medida, no plano teórico, com a discussão de modelos cuja manifestação propriamente musical era desconhecida.

A solução termina sendo buscada em outra visão transmitida pela Antiguidade: a música como instrumento de expressão de valores e emoções. Podia ser tanto na versão positiva da tragédia, como na visão crítica de "A República". Ou seja, se a Antiguidade tinha razão em registrar o profundo impacto da música sobre a ordem social (como queria Platão) ou sobre a emoção estética em geral (no modelo da Poética de Aristóteles), era porque a música transmite "mensagens" e o objetivo da investigação intelectual sobre a música era em condições essa mensagem é transmitida.

No final do século XVI, portanto, começa a catalogação e discussão dos instrumentos "retórico-musicais", ou seja, o estabelecimento do paralelismo entre a composição e a execução com o domínio da produção de emoções. Nota-se facilmente, na origem do debate sobre a natureza da música, sua matriz estritamente racionalista. Se as especulações de fundo pitagórico foram abandonadas gradualmente ao longo do século XVI, elas foram substituídas por teorias da expressão.

É interessante comparar com a situação da ciência geográfica. A obra de Ptolomeu sobre geografia foi publicada mais ou menos na mesma época que ocorria a descoberta da América e da costa da África, por volta do final do século XV. Descreviam mundos completamente diferentes, embaralhando a mente dos cientistas da Renascença: afinal, o que é válido, a sagrada herança da Antiguidade ou os dados que emergiam das grandes navegações e da astronomia da época?

No caso da Música, o que era mais válido, as sugestões pitagóricas hiper racionalistas da Antiguidade ou prática caótica e os conceitos religiosos da Idade Média? A teoria aristotélica da catarse pela música ou a adoração a Deus por meio do canto? A música vem da Musa ou da Mente?

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