A transição anotada no capítulo 2 é bem interessante: ela registra o abandono gradual das teorias musicais construídas sobre a herança da Antiguidade.
A elevação do nível intelectual dos estudos sobre música levou ao abandono das teorias platônicas e pitagóricas sobre música. A prática mostrava que limitar a análise aos intervalos perfeitos era falso do ponto de vista matemático e pobre, quando comparada à produção musical corrente. A legitimação do tratamento dos intervalos "imperfeitos" agregava uma complexidade muito maior ao discurso sobre a música, desvinculado já das mitologias do passado. Era evidente àquela altura, por exemplo, que não havia nada como música dos planetas e nem suas órbitas refletiam relações matemáticas perfeitas.
Essa elevação do nível intelectual do debate sobre música também levou ao abandono de outra herança da Antiguidade: a idéia de que o músico por meio de uma inspiração mística tinha acesso à ordem secreta da Natureza. Em 1587, por exemplo, Lorenzo Malespini já refutava ponto a ponto a tese do 'furor poético'. A construção da poesia e da música pode exigir inspiração, mas materializa-se por meio de instrumentos técnicos e racionais.
A recusa do passado platônico e pitagórico, portanto, não implicou o abandono das teorias racionalistas. Só que elas passaram a ser objeto de uma consideração científica. Ou seja, que tipo afinal de harmonia universal sustenta a apreciação e a criação da Música.
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