quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A poética da composição musical

O ponto de partida do capítulo 4 é a infusão das idéias mais elaboradas sobre música, construídas a partir da redescoberta dos textos da Antiguidade e das primeiras experiências científicas com o fenômeno do som, no domínio da música prática. Ou seja, da música produzida para o mundo secular.

O primeiro aspecto examinado por Palisca é familiar. As idéias mudernas sobre autoria de melodias soariam completamente bizarras para um músico ou especialistas do século XVI. Música é um artefato complexo, produzido na imensa maioria dos casos segundo a lógica da citação, da reelaboração, da improvisação e da paródia. Criar é partir do criado, uma vez que faltavam aos homens do século XVI a ilusão muderna de que o mundo começou agora há pouco.

O artista é o artifex: aquele capaz de produzir complexidade, um novo ponto de vista, uma nova equação a partir das regras e materiais produzidos pela tradição. Por sinal, como nota Palisca, a imensa maioria da música medieval não tem autores e, mais tarde, quando tem, é bem provável que inclua material que não foi "criado" pelo compositor.

O segundo aspecto examinado por Palisca é a emergência de teorias novas sobre a expressão musical. Apesar de toda a herança pitagórica e ultra-racionalista, os autores do século XVI (Zarlino, Pietro Pontio, Mei, Patrizi...) podem até criticar as modalides mais cruas da música "imitativa", mas não ocorreu a ninguém sugerir que a música é uma linguagem "pura", sem qualquer relação com as demais artes plásticas ou com a poesia. Mesmo Vicenzo Galilei, um crítico acerbo de alguns desses procedimentos, em nenhum momento sugere que a música possa ser distanciada da expressão humana, entendida em seu sentido bem concreto.

Aliás, é justamente essa conexão que permitirá superar as visões mais simplórias sobre a música como imitação para associá-la ao domínio da gramática, sugestão, por exemplo, de Nicola Vicentino.

E aqui há um ponto sensacional que o Palisca não examina muito: de onde vem a demanda por essa nova música. Certamente não é das ruas, nem da burguesia ainda comerciante; não é da Igreja: é de uma comunidade mista de connoisseurs, nobres ou meramente intelectuais. Patronos, dirigentes de academias de todos os tipos, são esses homens o público da nova música e, claro, responsáveis últimos pelos critérios altamente sofisticados que impõe à produção musical emergente.

Palisca não se aventura nesse terreno, mas é uma óbvia conexão proposta por seu texto. Reflexão sobre música está diretamente relacionado à evolução das idéias e da ciência e também é dependente das exigências do seu público.

É grande a nossa dívida, IMHO, com esses pioneiros da apreciação musical, que com seus bolsos e seus cérebros, bancaram a emergência de um música de altíssima qualidade e distante das necessidades da Igreja.

Nenhum comentário:

Postar um comentário