sábado, 8 de janeiro de 2011

Modos e gêneros

O objetivo de Palisca nesse capítulo 5 é documentar outra corrente importante nas teorias renascentistas sobre música: o esforço de compreender os modos da música medieval. Baseadas em escalas, a música medieval oferecia uma oportunidade enganosa de análise: sua assimilação com os "modos" da Antiguidade. Os primeiros trabalhos, portanto, buscavam encontrar algum princípio sistemático para organizar os modos da música medieval, estabelecendo paralelos com as listas expostas nas obras da Antiguidade.

Ficaram logo evidentes, contudo, duas coisas: (a) as teorias musicais da Antiguidade eram muito mais variadas do que pensado inicialmente e uma parte dessas obras não estava organizadas em torno de modos (b) as associações entre modos e emoções e entre modos medievais e antigos eram largamente arbitrárias.

Diante dessa maçaroca teórica, a reação inevitável foi retornar a um estudo da música em termos contemporâneos, com foco nas técnicas polifônicas. Instalou-se a tendência de reduzir os oito ou doze modos da Antiguidade e sua tradução confusa pela Idade Média aos dois modos que conhecemos - maior e menor (pág 95). Na virada do século XVII ao XVIII, a passagem estava concluída nas obras de Charles Masson e consumada pelo Tratado da Harmonia, de Rameau (1722).

Obedecendo aqui a um verdadeiro paradigma evolucionário, pode-se ver que, ao longo desse processo de racionalização, vão gradativamente desaparecendo os experimentos de criação de harmonias especíais (cromáticas, enarmônicas, etc) e de instrumentos excêntricos, desenhados para executar essas harmonias. O sistema temperado, por tanto, é o resultado final de um processo de análise e estudo de dois séculos, rigorosamente experimental e moderno no sentido em que abandona a referência na Antiguidade ou na experiência medieval.

A música clássica que conhecemos é o produto da interação de elites intelectuais e sociais, professores, cientistas, eruditos, nobres e patronos, em torno de um projeto rigorosamente racionalista, consólidado no século XVII.

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