segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Horizontes

A biografia escrita por Martin Geck não traz, naturalmente, fatos novos. Seu ponto alto são os capítulos finais, chamados de Horizontes, onde examina alguns aspectos mais gerais da obra de Bach.

O primeiro capítulo tem o título “A arte de Bach” e começa justamente pela análise de sua “fama”. Quando se descarta a visão romântica sobre a “fama” de um compositor, Geck chama atenção para o fato de que a fama real de Bach, entre músicos e especialistas, é o primeiro sinal da natureza de sua arte. Sua maestria é a do contraponto, entendido sempre como sinal da ordem divina. Suas teses, mesmo quando absorvidas pela modernidade, não são totalmente modernas e, em muitos sentidos, anti-modernas.

É o caso do seu interesse em obras cíclicas, justamente a antítese da ênfase moderna na obra individual; sua busca de exaustão teórica em lugar da natureza rapsódica da música posterior.

Postado entre o antigo e o moderno, a música de Bach é menos mecanismo do que “densidade de eventos”. Ela é moderna para quem olha do período antigo e antiga para quem olha do período moderno. Intrinsecamente misteriosa, fora do lugar. Extrai beleza da criação e da contradição. Por fim – um ponto interessante da argumentação de Geck -, pode ocupar esse espaço pois está baseada em uma realidade fora da música: uma fé.

É uma arte, portanto, não burguesa, não procura libertações nesse mundo, nem uma arte individualista. Seu domínio, para usar uma expressão da matemática, é a teologia, a retórica e o simbolismo.
 
"A densidade pode ser esmagadora. A música de Bach, ainda que racionalmente planejada, por vezes parece impenetrável, mito insolúvel, tocando níveis pré-linguísticos de significado, onde a experiência não é trabalhada, mas simplesmente procede. Quando isto ocorre, o que conta não é o argumento, mas o choque e o terror, estas emoções que tomam conta do ouvinte e comovem pois não conseguem decodificar sua estrutura complexa. O resultado pode ser o riso ou a lágrima: riso por conta da infinitude da criação, lágrima diante a própria insignificância" (pág 649).

"Bach permanece o centro do pensamento musical do Ocidente. Sua música é completamente desta Terra: uma paixão é uma paixão, um minueto é um minueto. Cada uma de suas obras possui um contexto social: somento a Arte da Fuga, por definição, busca alcançar as estrelas. Mesmo o elemento religioso tem sua raiz na Terra. Ao contrário da música de Beethoven, a música de Bach não sente a necessidade de buscar justificação em si mesma: está baseada na fé. Não há um ego mortal impassível, mas um ego espiritual profundamente enraizado: vulnerável, talvez, mas inamovível." (pág 649).

"Bach sempre tinha seus instrumentos à mão - como a melancolia de Durer, que, enquanto sentada perdida em meditação ainda mantém em seu torno, em um desarranjo fantástico, tudo o que precisa para medir, descobrir, avaliar e testar as forças que mantêm o mundo. Mas isto nos leva a outro ponto: podemos entender a arte de Bach somente quando conhecemos as categorias que a informam: teologia, retórica e simbolismo". (pág 652).

Nenhum comentário:

Postar um comentário