sexta-feira, 2 de julho de 2010

Onze dimensões

Por fim, David não oferece nenhuma informação adicional sobre o Ricercar e sobre a Sonata, além do que é convencional: (a) o termo ricercar, cânone no passado, passou a designar formas livres de contraponto e seu uso na Oferenda sinaliza uma certa intenção erudita; (b) a sonata, na forma "de igreja", em quatro movimentos, revela-se "conservadora na forma, progressista no estilo". O emprego da flauta é uma evidente homenagem ao Rei.

Para além, contudo, da soma de suas partes, o que é a Oferenda?

David tenta responder a essa pergunta mais geral (ele também é autor de uma pesquisa original sobre as coleções musicais até o século XVIII), mas não consegue evitar a impressão de estranheza. Até 1750, a imensa maiora, a gigantesca maiorias de coleções musicais (incluindo aí os WTCs, as coleções de suítes, etc) são organizadas segundo o eixo da tonalidade. Essa é a variável relevante. As exceções são raríssimas, mas, dentre estas, estão quatro obras do compositor: as Goldberg, as Variações Canônicas, a Oferenda e a Arte da Fuga.

Todas elas são baseadas na idéia de estrutura e não na diversidade de "sabores" da tonalidade. Como não é difícil notar, esse último princípio impõe sérios limites para a lógica de uma coleção (as peças individuais são muito diferentes umas das outras..). Em contrapartida, no primeiro caso, as possibilidades criadas pela mera combinatória são exponenciais.

Seu uso sugere, por exemplo, a idéia de um "meta cânon": uma vez que cada cânone é regulado por uma lei matemática (uma função) eles podem ser somados e transformados uns nos outros, mesmo que sejam inexecutáveis.

Há outras implicações. Escreve David sobre a coleção de cinco cânones "o primeiro deles representa a forma mais simples de cânone; o segundo contém um elemento de contraponto; o terceiro contêm dois. Assim, a série resultante pode corresponder matematicamente à série do número, do quadrado e do cubo. Foi o desejo de estabelecer essa progressão lógica que levou Bach a propor um cânone tanto em moção contrária como com aumentação sem ter primeiro demonstrado este último procedimento sozinho". (pág 36).

O esquema pode ser ainda complicado por referências estritamente musicais. No primeiro grupo de cânones, o primeiro, mais simples, sugere o ritmo de uma abertura francesa (pois está iniciando a coleção...). O último cânone, que enfeixa o "número, o quadrado e o cubo", é modulado, maior e mais complexo, oferecendo um "finale" para o primeiro conjunto. No segundo grupo de cânones, a última e a primeira peça, em vez de distintas, como no primeiro, são aparentadas: o cânone em espelho e a fuga canônica.


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